O dia 31 de julho amanheceu com muita serração. Coisa comum nos dias de outuno e inverno na cidade de Cananéia. Anúncio de céu azul, já sabem os caiçaras que vivem por aqui. Um dia especial na vida de muita gente na Comunidade do Ariri.
Localizado na divisa de São Paulo com o Estado do Paraná, o Ariri vive dias de festa e alegria com o retorno de antigas tradições caiçaras. Uma delas é o mutirão de varação da canoa. Antes disso porém, o mestre artesão escolhe uma árvore caída ou derruba uma que ele mesmo escolheu e começa a confeccionar a canoa com seus instrumentos. Depois de um mês e meio mais ou menos, a canoa está pronta e no meio da mata! Como tirá-la de lá? Chamando alguns vizinhos e amigos para um grande mutirão.
E foi isso que Seu Zé Pereira, morador tradicional da comunidade do Ariri, fez nesse dia. Convidou um tanto de gente pra chegar, subir morro acima e depois descer morro abaixo com a canoa amarrada na proa e na popa. Não se trata de tarefa fácil.
Ao contrário, os homens se esforçam ao extremo para segurar a canoa que pode chegar facilmente a uns 250 a 300 quilos. A gritaria é intensa e parece desorganizada, mas é fácil perceber que tudo está dentro dos conformes. Alguns desses homens recebem funções específicas que tem nomes: proeiro, cordeiro e mestre da corda. Todos tem que cumprir a risca a sua função e qualquer descuido pode resultar em acidente.
Mas nem todos são de ferro e em alguns momentos para-se para descansar e saborear a famosa “mãe com a fia”, uma mistura de cachaça e mel que é servida a todos aqueles que querem molhar a goela. A turma se reanima e a descida continua. No caminho, um susto cruza o caminho. Um cobra conhecida como jararacuçu desentoca-se e segue seu destino. Lá embaixo a turma decide: vamos levar essa canoa até a casa de Seu Zé Pereira! E a gritaria recomeça. Os ânimos novamente se renovam regados a cachaça e mel. Estrada afora a puxada continua até chegar a casa de Seu Zé.
A caiçarada faz pose pra foto e termina o trabalho.
Alguns caiçaras contam que antes as pessoas ficavam na casa de quem organizava o mutirão. Por lá, estendiam as esteiras no chão para dormir. Mas quem dormia em dia de mutirão? Quase ninguém porque a noite era reservada para a festa e fandango. Cantadores de diferentes comunidades se juntavam, muitas vezes logo após o mutirão, e começavam a entoar seus versos sobre a vida simples do caiçara. Algumas brincadeiras também eram cantadas por esses mestres populares.
Hoje em dia tudo mudou. Os mutirões pouco a pouco foram se acabando, ora por causa da religião, que pregava contra essas festas, ora por causa das leis ambientais, que impediram o caiçara de viver como sempre viveu.
Segundo Dona Oliva, moradora do Ariri, o mais importante é não acabar com a tradição. Por isso, a varação da canoa que aconteceu nesse dia foi importante não só para relembrar como era antigamente, mas para reafirmar a resistência da cultura caiçara aos tempos de mudanças.